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E tudo o incêndio levou

mercado segurador Seguros

Uma das características do cliente português que mais frustra o mercado segurador é a aparente pouca preocupação com a gestão do risco, e a compra de seguros para o mitigar.

Temos todos exemplos para dar e vender, desde a quantidade absurda de pessoas que circulam em veículos sem o seguro obrigatório de Responsabilidade Civil até aos casos de cães potencialmente perigosos que mordem terceiros sem açaime nem seguro.

As empresas identificam regularmente o risco de cibersegurança como uma das suas maiores preocupações. No entanto menos de 10% das empresas contratam o seguro relevante em Portugal. Outros riscos normalmente identificados? Danos à reputação e Interrupção do negócio, ambos passíveis de garantir através de seguros mas com baixas percentagens de contratação.

Aqui ao lado, em Espanha, o seguro de D&O faz parte do pacote salarial de qualquer dirigente de uma empresa. Já em Portugal, é visto como um custo. Algo que nunca vai acontecer porque os nossos gestores não são como os malandros dos outros.

Recentemente, e na sequência dos incêndios registados no mês de Julho, recebemos incontáveis pedidos de reposição em vigor de apólices de habitação que tinham anulado por falta de pagamento. Algumas há mais de um ano. Também foram vários os pedidos de atualização de capitais.

Por outro lado existe uma proliferação de seguros obrigatórios em todas as atividades que, mais que proteger a empresa e os seus clientes, parecem destinados a tornar o negócio inviável pelo custo fixo anual, qual imposto revolucionário, e que quando um sinistro ocorre pouca cobertura dão.

É ter um seguro por ter, com um capital ou limite de cobertura baixo, e que restringe a capacidade das seguradoras para inovar.

Nivela-se por baixo na cobertura, incentivando a luta pelo preço.

É frequente “culpar-se” o cliente, assim como a famosa (falta de) cultura de seguros em Portugal, também conhecida como “enquanto o pau vai e vem folgam as costas” ou “fia-te na virgem e não corras”.

Mas será mesmo assim?

Comprar um seguro é uma questão de confiança. Afinal, o cliente paga primeiro o preço (ou “prémio”) e recebe uma promessa que um dia estaremos lá para o amparar.

Mas a promessa está plasmada num contrato e numas condições, muitas vezes, infumáveis. E não, o diabo não faria melhor se quisesse enganar um cliente incauto.

Alguém já realmente leu as condições gerais e especiais do seu seguro automóvel? Ou de habitação?

Já leu a apólice que vende a diário na sua seguradora? A mais básica?

Estamos alguma vez realmente certos de que aquela apólice nos vai ajudar num dos piores momentos da nossa vida?

A verdade é que é cada vez mais difícil vender por qualidade de produto. O apertar da regulação sobre o mercado segurador português, mais que ajudar o consumidor veio complicar-lhe a vida. É mais difícil perceber a cobertura de uma apólice hoje em dia que há 20 ou 30 anos atrás, com a profusão de documentos, disclaimers e outros textos obrigatórios que constam de um contrato..

Se uma pessoa média, hoje em dia, não vê um vídeo numa rede social com mais de um minuto, acha que vai ler os anexos que a seguradora lhe envia em pdf ou manda ir ler à sua Área de Cliente?

Um cliente não consegue comparar duas ofertas de seguradoras distintas sem ler 60 páginas de apólice, pelo que compara o que pode. O preço.

E as seguradoras e seus respetivos canais de subscrição sabem-no. E vendem pelo mesmo prisma.

Resultado? Estamos a ser pouco a pouco “comidos” no nosso próprio mercado por players habituados a vender por preço, ilusionismo e pirotecnia. Chamemos-lhe bancassurance, Amazon, Google ou Tesla. Ou milhares de outras empresas que descobriram o nosso segredo mais mal guardado: não é preciso perceber de seguros para os vender. Basta ter preço. E marketing.

O produto é o menos, desde que o venda o Cristiano Ronaldo ou a atriz do momento. E sejamos honestos: os clientes preferirão comprar seguros a empresas que lhes dão reconhecidamente serviço, como a Apple ou a Meta, ou a uma seguradora local tradicional? Que hoje em dia age como uma cópia da maioria dessas empresas e aspira a ser como elas?

Recentemente ouvi com bastante interesse o podcast da Innovarisk com a Dra. Margarida Lima Rego, onde esta dizia que a solução para esta situação em que nos encontramos passará sempre pela necessidade de uma regulação mais eficaz e menos “quadrada” e de melhor formação à distribuição de seguros.

Não posso concordar mais.

Mas para que tal aconteça temos todos, a começar pelo nosso regulador, associações profissionais e cada um de nós, de acordar do sono profundo em que temos estado, a cozinhar numa fogueira de vaidades, antes que nos levem todos os anéis e nem os dedos fiquem.

Acabemos com a cultura das palmadinhas nas costas e ousemos arregaçar mangas. E trabalhar.

A culpa não é do cliente.

Só temos de lhes mostrar que somos dignos da sua confiança.

Por Rui Ferraz, Diretor Comercial

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